A outra razão de Alonso Quijano

Written in Portuguese by José Saramago

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Todos sabemos como a história começa: naquele lugar de La Mancha, cujo nome nunca viremos a conhecer, vivia um fidalgo pobre chamado Alonso Quijano que, um dia, em consequência do muito ler e do muito imaginar, passou do juízo à loucura, tão naturalmente como quem abriu uma porta e a tornou a fechar. Assim o quis Cervantes, talvez porque a mentalidade do seu tempo se recusasse a aceitar que um homem na plena posse das suas faculdades mentais, e sendo embora apenas uma personagem de romance, decidisse, por um simples ato de vontade, deixar de ser quem tinha sido para converter-se em outro: graças à loucura, a rejeição das regras do chamado comportamento racional torna-se pacífica, uma vez que permite desprezar qualquer aproximação ao louco que não proceda em conformidade com as vias redutoras que têm a cura como objetivo. 

Do ponto de vista dos contemporâneos de Cervantes e das personagens do romance, Quijote é louco porque Quijano enlouqueceu. Em momento algum se insinua a suspeita de ser Quijote, tão-somente, ou, pelo contrário, de modo supremo, o outro de Quijano. Não obstante, Cervantes tem uma visão muito precisa da irredutibilidade das consequências da mudança de Quijano. Tanto assim que reforma e reorganiza, de alto a baixo, o mundo em que vai entrar essa nova identidade que é Quijote, mudando os nomes e as qualidades de todos os seres e coisas: a estalagem torna-se castelo, os moinhos são gigantes, os rebanhos exércitos, Aldonza transforma-se em Dulcineia, para não falar de uma mísera cavalgadura promovida a épico Rocinante e de uma bacia de barbeiro alçada à dignidade de elmo de Mambrino. Já Sancho, tendo embora de viver e sofrer as aventuras e as imaginações de Quijote, não precisará nunca de enlouquecer nem de mudar de nome: mesmo quando o proclamarem governador de Barataria continuará a ser, no físico e no moral, mas sobretudo na sólida identidade que sempre o definiu, Sancho Panza. Nada mais, mas também nada menos. 

Último Caderno de Lanzarote, 31 de maio de 1998, Porto Editora, 2000

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Existe nele uma expressão que, para mim, é a chave, embora não pareça nada de especial. Quando o Dom Quixote sai para começar as suas andantes cavalarias, o Cervantes diz isto de uma maneira tão simples que qualquer de nós poderia tê-lo dito: «E começou a caminhar.» Há dois Quixotes: um com a sua vida sem importância e o outro que nasce no momento em que começa a caminhar. É ele o Dom Quixote, o homem que fará aquilo que não estava nas previsões. Não era forçoso, nem na sua loucura nem na sua vida anterior, que ele fosse fazer tudo o que fez depois. Não há um destino: há um momento em que começamos a caminhar. Começamos a caminhar e caminhamos noutra direcção. Não é, de facto, a direcção que parecia fatal, irrecusável… até podemos falar de predestinação, se se quiser, mas o momento em que começamos a caminhar é uma metáfora do movimento e não só do movimento pessoal, também no movimento da sociedade. 

Expresso, 8 de novembro de 1986

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Vítima de uma loucura simplesmente humana ou agente de uma vontade sobrehumana de mudança, Quijote procura recriar o mundo, fazê-lo nascer de novo, e morre quando compreende que não bastou ter mudado ele próprio para que o mundo mudasse. É a última derrota de Quijano, a mais amarga de todas, a que não terá salvação. A vontade esgotou-se, não há tempo para enlouquecer outra vez. 

«A outra razão de Alonso Quijano», La Literatura Iberoamericana en el 2000Ediciones Universidad de Salamanca, 2003

Published January 5, 2023
© Porto Editora, © Expresso, © Ediciones Universidad de Salamanca 

 

L’altra ragione di Alonso Chisciano

Written in Portuguese by José Saramago


Translated into Italian by Roberto Francavilla

Tutti sappiamo come comincia la storia: in quel luogo della Mancha, il cui nome non ci è mai dato conoscere, viveva un nobiluomo povero di nome Alonso Chisciano che, un giorno, in conseguenza di molte letture e di altrettanta immaginazione, passò dal senno alla follia, in maniera così naturale come chi apre una porta e poi la chiude. Così lo volle Cervantes, forse perché la mentalità del suo tempo si rifiutava di accettare che un uomo nel pieno possesso delle sue facoltà mentali, pur essendo soltanto il personaggio di un romanzo, decidesse, per un semplice atto di volontà, di smettere di essere colui che era stato fino ad allora per trasformarsi in qualcun altro: grazie alla follia, il rifiuto delle regole del cosiddetto comportamento razionale diventa pacifico, permettendo di disprezzare qualsiasi folle che non si comporti in conformità con le vie riduttive che hanno la cura come obiettivo. 

Dal punto di vista dei contemporanei di Cervantes e dei personaggi del romanzo, Chisciotte è pazzo perché Chisciano è impazzito. In nessuna circostanza si insinua il sospetto che Chisciotte sia, solamente, o, al contrario, in modo supremo, l’altro di Chisciano. Ciononostante, Cervantes ha una visione molto precisa dell’irriducibilità delle conseguenze del cambiamento di Chisciano. A tal punto da riformare e riorganizzare, da capo a piedi, il mondo in cui farà l’entrata questa nuova identità che è Chisciotte, cambiando i nomi e le caratteristiche di tutti gli esseri e le cose: la stalla si trasforma in castello, i mulini diventano giganti, le greggi eserciti. Aldonza si trasforma in Dulcinea, per non parlare di una misera cavalcatura promossa a epico Ronzinante e di una bacinella da barbiere sollevata alla dignità di elmo di Mambrino. Sancho, dal canto suo, anche se dovrà vivere e patire le disavventure e le immaginazioni di Chisciotte, non sarà mai costretto a impazzire né a cambiare nome: perfino quando lo proclameranno governatore dell’isola di Barataria continuerà a essere, nel fisico e nel morale, ma soprattutto nella solida identità che lo ha sempre definito, Sancho Panza. Niente di più, ma neppure niente di meno. 

Último Caderno de Lanzarote, 31 maggio 1998

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C’è in lui un’espressione che, per me, è la chiave, anche se non sembra nulla di speciale. Quando Don Chisciotte parte per dare inizio alle sue disavventure cavalleresche, Cervantes lo dice in un modo così semplice che avrebbe potuto dirlo chiunque fra noi: “E cominciò a camminare”. Ci sono due Chisciotte: uno con la sua vita priva di importanza e l’altro che nasce nel momento in cui comincia a camminare. È lui il Don Chisciotte, l’uomo che farà ciò che non rientrava nelle previsioni. Non era scontato, né nella sua follia, né nella sua vita precedente, che si mettesse a fare tutto quello che poi fece. Non c’è un destino: c’è un momento in cui cominciamo a camminare. Cominciamo a camminare e camminiamo in un’altra direzione. Non è, di fatto, la direzione che sembrava fatale, irrifiutabile… possiamo perfino parlare di predestinazione, se volete, ma il momento in cui cominciamo a camminare è una metafora del movimento e non solo del movimento personale, ma anche del movimento della società. 

“Expresso”, 8 novembre 1986

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Vittima di una follia semplicemente umana o agente di una volontà sovrumana di cambiamento, Chisciotte cerca di ricreare il mondo, di farlo rinascere, e muore quando comprende che non è bastato essere cambiato lui stesso affinché il mondo cambiasse. È l’ultima sconfitta di Chisciano, la più amara di tutte, quella che non conoscerà salvazione. La volontà si è esaurita, non c’è tempo per impazzire di nuovo. 

“L’altra ragione di Alonso Chisciano”,  La Literatura Iberoamericana en el 2000Ediciones Universidad de Salamanca, 2003

Published January 5, 2023
Excerpted from José Saramago, I suoi nomi. Un album biografico, a cura di R. Francavilla, Feltrinelli, Milano 2022
© Feltrinelli

 


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