From Nove Noites

Written in Portuguese by Bernardo Carvalho

Add

Isto é para quando você vier. É preciso estar preparado. Alguém terá que prevenilo. Vai entrar numa terra em que a verdade e a mentira não têm mais os sentidos que o trouxeram até aqui. Pergunte aos índios. Qualquer coisa. O que primeiro lhe passar pela cabeça. E amanhã, ao acordar, faça de novo a mesma pergunta. E depois de amanhã, mais uma vez. Sempre a mesma pergunta. E a cada dia receberá uma resposta diferente. A verdade está perdida entre todas as contradições e os disparates. Quando vier à procura do que o passado enterrou, é preciso saber que estará às portas de uma terra em que a memória não pode ser exumada, pois o segredo, sendo o único bem que se leva para o túmulo, é também a única herança que se deixa aos que ficam, como você e eu, à espera de um sentido, nem que seja pela suposição do mistério, para acabar morrendo de curiosidade. Virá escorado em fatos que até então terão lhe parecido incontestáveis. Que o antropólogo americano Buell Quain, meu amigo, morreu na noite de 2 de agosto de 1939, aos vinte e sete anos. Que se matou sem explicações aparentes, num ato intempestivo e de uma violência assustadora. Que se maltratou, a despeito das súplicas dos dois índios que o acompanhavam na sua última jornada de volta da aldeia para Carolina e que fugiram apavorados diante do horror e do sangue. Que se cortou e se enforcou. Que deixou cartas impressionantes mas que nada explicam. Que foi chamado de infeliz e tresloucado em relatos que eu mesmo tive a infelicidade de ajudar a redigir para evitar o inquérito. Passei anos à sua espera, seja você quem for, contando apenas com o que eu sabia e mais ninguém, mas já não posso contar com a sorte e deixar desaparecer comigo o que confiei à memória. Também não posso confiar a mãos alheias o que lhe pertence e durante todos estes anos de tristezas e desilusões guardei a sete chaves, à sua espera. Me perdoe. Não posso me arriscar. Já não estou em condições ou idade de desafiar a morte. Amanhã pego a balsa de volta para Carolina. Mas antes deixo este testamento para quando você vier e deparar com a incerteza mais absoluta.

Seja bemvindo. Vão lhe dizer que tudo foi muito abrupto e inesperado. Que o suicídio pegou todo mundo de surpresa. Vão lhe dizer muitas coisas. Sei o que espera de mim. E o que deve estar pensando. Mas não me peça o que nunca me deram, o preto no branco, a hora certa. Terá que contar apenas com o imponderável e a precariedade do que agora lhe conto, assim como tive de contar com o relato dos índios e a incerteza das traduções do professor Pessoa. As histórias dependem antes de tudo da confiança de quem as ouve, e da capacidade de interpretálas. E quando vier você estará desconfiado. O dr. Buell, à sua maneira, também era incrédulo. Resistiu o quanto pôde. Precisamos de razões para acreditar. Estarei abusando da sua paciência e boa vontade, seja você quem for, se lembrar que morremos todos? Me lembro do dia em que ele chegou à cidade que chamou de morta nas cartas, em março de 1939, desconfiado como você agora, a primeira vez que o vi. Todos conheciam o ronco do hidroavião da Condor quando se aproximava da cidade, anunciando a sua chegada. Ninguém mais nos visitava. Muita gente correu para o rio. Eu estava ocupado com uma obra, mas ainda pude vislumbrar no chão da casa sem teto a sombra do avião, que sobrevoava as mangueiras a caminho do rio. Terminei o serviço e desci até o porto. Ele posava para o fotógrafo que o representante da agência Condor havia contratado para registrar o acontecimento e que, com a câmera sobre um tripé, fixava para sempre nas suas chapas a chegada do ilustre etnólogo, ao lado dos índios e do piloto, todos de pé sobre a asa do avião. Sua vinda provocou uma sensação que cinco meses depois todos já tinham esquecido, se é isso que você quer saber. Nós nos acostumamos muito depressa com o extraordinário. Só eu guardo a memória dele. Mas naquele dia nem eu nem ninguém podíamos imaginar o que recebíamos. Veio com um chapéu branco, como se fosse o capitão de um navio, camisa branca, bombachas e botas. Nem eu nem ninguém podíamos ver nada por trás da elegância tão altiva e imprópria para o lugar e a ocasião, ainda mais para quem agora olha retrospectivamente. Ninguém podia prever a desgraça que em menos de cinco meses lhe arrancaria a vida. Me aproximei da cena a que a cidade assistia muda, sem entender a missão que recebia e que nenhuma alma humana seria capaz de recusar. Eu fui essa alma. O representante da Condor nos apresentou, mas o etnólogo não me viu. Apertou a minha mão como a de qualquer outro e sorriu, sorria para todos, mas não notou a minha presença. Mal ouviu o meu nome. Se o tivesse entendido, teria na certa caçoado, porque apesar de tudo não lhe faltava humor. O meu nome é motivo de chacota fora daqui. E ele tinha acabado de chegar. Só mais tarde é que entenderia as circunstâncias e as vantagens de ter um aliado em mim. Só então aceitaria a minha amizade, à falta de outra. Posso ser um humilde sertanejo, amigo dos índios, mas tive educação e não sou tolo. Não guardo rancor de ninguém, muito menos do dr. Buell, meu amigo, a despeito de tudo o que possa ter pensado ou escrito e a que só tive acesso pela incerteza das traduções do professor Pessoa a procurar nos papéis do morto uma explicação que eu mesmo fiz o que pude para esconder. Era preciso que ninguém achasse um sentido. É preciso não deixar os mortos tomarem conta dos que ficaram. Desde o início, embora não pudesse prever a tragédia, fui o único a ver nos olhos dele o desespero que tentava dissimular mas nem sempre conseguia, e cuja razão, que cheguei a intuir antes mesmo que ela me fosse revelada, preferi ignorar, ou fingir que ignorava, nem que fosse só para aliviálo. Acho que assim eu o ajudei como pude. Tendo presenciado os poucos momentos em que não conseguiu se conter, eu sabia, e o meu silêncio era para ele a prova da minha amizade. Assim são os homens. Ou você acha que quando nos olhamos não reconhecemos no próximo o que em nós mesmos tentamos esconder? Não há nada mais valioso do que a confiança de um amigo. Por isso aprecio os índios, com os quais convivo desde criança, desde o tempo em que o meu avô os amansou. Sempre os recebi na minha casa. Sempre soube o que diziam de mim pelas costas, que me consideravam um pouco louco, aliás como a todos os brancos. Mas a mim importava apenas que pudessem contar comigo. E que soubessem que eu não esperava nada em troca. De mim teriam tudo o que pedissem, e Deus sabe que seus pedidos não têm fim. Fiz tudo o que pude por eles. E também pelo dr. Buell. Dei a ele o mesmo que aos índios. A mesma amizade. Porque, como os índios, ele estava só e desamparado. E, a despeito do que pensou ou escreveu, não passava de um menino. Podia ser meu filho. Nada me abalou tanto. Nem mesmo quando fui destituído das funções de encarregado do posto indígena Manoel da Nóbrega pelo sr. Cildo Meireles, inspetor do Serviço de Proteção aos Índios, três anos depois da tragédia, quando ele me recomendou que dali em diante eu deixasse o meu coração a cinco léguas de distância do posto e me afastasse para sempre dos índios — não queria me ver pela frente. Nem mesmo a humilhação de ter sido dispensado do cargo que ocupei por pouco mais de um ano e que o próprio dr. Buell tinha me ajudado a conquistar em defesa dos índios, graças às cartas de recomendação que enviou ao Rio de Janeiro. E nem mesmo o massacre da aldeia de Cabeceira Grossa, que o dr. Buell talvez tivesse podido impedir se ainda estivesse vivo e entre eles quando os fazendeiros prepararam a emboscada um ano depois do seu suicídio. Nada me entristeceu tanto quanto o fim do meu amigo, cuja memória decidi honrar. Eu o acolhi quando chegou. Nada do que tenha pensado ou escrito pode me causar rancor, nunca esperei nada em troca, porque sei que, no fundo, fui a última pessoa com quem ele pôde contar.

Saí da casa sem teto ao cair da tarde, quando uma nuvem de morcegos também saiu do tronco oco de uma mangueira e se canalizou pelas ruas, numa enxurrada, em vôo rasante e cego, a ignorar bicicletas e pedestres, que também os ignoravam naquela cidade morta, como ele a descreveu, se formos confiar nas traduções do professor Pessoa. Posso ser ignorante, mas nunca fui supersticioso. Podia ter visto um sinal de mau agouro na nuvem de pequenos vampiros que o recebiam. Mas tudo o que vi foram os seus olhos quando cheguei ao rio, a expressão que assumiam, por distração e cansaço, entre uma fotografia e outra, quando se esquecia de que também o olhavam. Queria partir para a aldeia. Estava exausto. Queria ficar longe dos olhares. Só você poderia ter me dito o que ele veio fazer aqui, se veio realmente para morrer, como acabei suspeitando ao receber a notícia do suicídio. Faz anos que o espero, em vão.

No dia 9 de agosto daquele ano, cinco meses depois de ele ter chegado a Carolina, uma comitiva de vinte índios entrou na cidade no final da tarde. Traziam a triste notícia e, na bagagem, os objetos de uso pessoal do dr. Buell, que eu mesmo recebi e contei, com lágrimas nos olhos: dois livros de música, uma Bíblia, um par de sapatos, um par de chinelos, três pijamas, seis camisas, duas gravatas, uma capa preta, uma toalha, quatro lenços, dois pares de meias, um suspensório, dois ternos de brim, dois ternos de casimira, duas cuecas e um envelope com fotografias. O seu retrato não estava entre elas. Havia a foto de uma casa de madeira na praia; havia os retratos dos negros do Pacífico Sul, que lhe contaram lendas e canções; havia retratos dos Trumai do alto Xingu, mas não havia nenhuma foto de família, nem do pai, nem da mãe, nem da irmã, nem de nenhuma mulher. É possível que tivesse queimado esses retratos junto com as outras cartas que recebera antes de se matar. Os índios não tocaram em nada. Foram à minha casa sem parar nem falar com ninguém pelo caminho — estavam com medo, achavam que pudessem ser incriminados —, o que não impediu que a notícia logo se espalhasse, e em pouco tempo uma pequena multidão de curiosos cercava a minha modesta morada. Mandei chamar o professor Pessoa às pressas, que depois de ler uma das cartas deixadas pelo infeliz, em inglês, acalmou os índios e garantiu a todos que eles não tinham nenhuma responsabilidade na trágica ocorrência. Ele deixou cartas para os Estados Unidos, para o Rio de Janeiro, para Mato Grosso e duas para Carolina, uma para o capitão Ângelo Sampaio, delegado de polícia, e a outra para mim.

Desde então eu o esperei, seja você quem for. Sabia que viria em busca do que era seu, a carta que ele lhe escrevera antes de se matar e que, por segurança, me desculpe, guardei comigo, desconfiado, já que não podia compreender o que ali estava escrito — embora suspeitasse — nem correr o risco de pedir ao professor Pessoa que me traduzisse aquelas linhas. Foi a única que não remeti ao Rio de Janeiro. Hoje, mal se passaram seis anos da morte do dr. Buell, e o próprio professor já se diz etnólogo e se autoproclama estudioso dos Krahô, como se nunca tivesse passado nenhum etnólogo por Carolina, como se bastasse a sua autodeterminação para se equiparar ao homem que o ignorou e de quem ele diz também já não se lembrar, pois só a lembrança já lhe faria sombra e daria os parâmetros que lhe faltam para reconhecer a própria mediocridade e ignorância. Posso ser um simples sertanejo, mas não sou tolo. Dos envelopes fechados, aquele era o único cujo destinatário, até onde eu sabia, não era da família do dr. Buell nem tampouco outro antropólogo ou missionário. Peço que me entenda. Eram tempos difíceis. Tudo o que fiz foi por amizade, para protegêlo. Você não pode imaginar, seja lá quem for. As cartas seguiam para o Rio de Janeiro antes de serem remetidas aos Estados Unidos. Nada me garantia que não fossem abertas e lidas, como fizeram as autoridades maranhenses ao submetêlas ao professor Pessoa em busca de uma explicação, ou que não se extraviassem. Ainda mais se fosse instaurado o inquérito. Guardei comigo esta única carta, para protegêlo, e aos índios. Jurei que ninguém além de você poria os olhos nela. Mandeilhe um bilhete no lugar da carta, um bilhete cifrado, é verdade, em código, que o professor Pessoa me ajudou a redigir em inglês, sem saber a quem me dirigia ou com que objetivo, pensando que se tratava de um parente do morto, uma vez que anteriormente já lhe pedira ajuda para escrever uma carta de pêsames que decidira enviar à mãe. Nunca pude me certificar de que você tenha recebido esse bilhete, ou que o tenha compreendido, já que não veio atrás do que lhe pertencia. Faz anos que o espero, mas já não posso me arriscar ou desafiar a morte. Este mês começam as chuvas. Amanhã pego a balsa de volta para Carolina, mas antes deixo este testamento para quando você vier.

Published September 3, 2018
Excerpted from Nove Noites, Companhia das Letras, 2002
© 2002 Bernardo Carvalho
© 2002 Companhia das Letras

From Nove Noites

Written in Portuguese by Bernardo Carvalho


Translated into Italian by Marta Silvetti

Questo è per quando verrai. Devi essere preparato. Qualcuno deve metterti in guardia. Entrerai in una terra in cui la verità e la menzogna assumeranno un significato completamente diverso. Chiedi agli indios. Qualsiasi cosa. La prima che ti passa per la mente. E domani, quando ti svegli, fai loro la stessa domanda. E dopodomani, un’altra volta. Sempre la stessa domanda. E ogni giorno riceverai una risposta diversa. La verità si perde in mezzo a tutte le contraddizioni e le assurdità. Quando verrai a cercare ciò che il passato ha sepolto, sappi che ti troverai alle porte di una terra dove la memoria non si può riesumare. I segreti sono gli unici beni che si portano nella tomba, e anche l’unica eredità che si lascia a chi rimane, come te e me, che cercando di carpire il senso di un segreto soltanto presunto, finiremo per morire di curiosità. Ti baserai su fatti che finora avrai ritenuto incontestabili. Che l’antropologo americano Buell Quain, il mio amico, è morto nella notte del 2 agosto 1939, a ventisette anni. Che si è ucciso senza un apparente motivo, con un atto inopportuno e di una violenza inaudita. Che lo ha fatto nonostante le suppliche di due indios che lo stavano accompagnando nel suo ultimo viaggio di ritorno dal villaggio a Carolina e che sono fuggiti terrorizzati di fronte all’orrore e al sangue. Che si è prima accoltellato e poi impiccato. Che ha lasciato lettere sconvolgenti che non spiegano niente. Che è stato definito un infelice e uno squilibrato nei rapporti che io stesso ho tristemente contribuito a redigere per evitare un’indagine. Ti ho aspettato per anni, chiunque tu sia, contando solo su quello che io e io soltanto sapevo, ma ora non posso più contare sulla sorte e lasciare che quanto ho confidato alla memoria scompaia insieme a me. Né posso consegnare in mano altrui ciò che ti appartiene e che in tutti questi anni di dolori e delusioni ho tenuto sotto chiave, mentre ti aspettavo. Perdonami. Non posso rischiare. Non sono più nelle condizioni o nell’età di sfidare la morte. Domani prenderò il traghetto per tornare a Carolina. Ma prima ti lascio questo testamento per quando verrai e ti troverai di fronte all’incertezza più assoluta.

Benvenuto. Ti diranno che è stato tutto molto brusco e inaspettato. Che il suicidio ha colto tutti di sorpresa. Ti diranno molte cose. So cosa ti aspetti da me. E a cosa penserai. Ma non mi chiedere ciò che nessuno mi ha mai dato, il nero su bianco, l’ora esatta. Dovrai contare solo sull’imponderabilità e sulla precarietà di quanto sto per raccontarti, così come io ho potuto contare solo sul resoconto degli indios e sulle dubbie traduzioni del professor Pessoa. Le storie dipendono in primo luogo dalla disposizione a credere di chi le ascolta, e dalla capacità di interpretarle. E quando arriverai, sarai diffidente. Anche il dottor Buell era a suo modo scettico. Ha resistito finché ha potuto. Ci vogliono delle ragioni per credere. Sarebbe abusare della tua pazienza e della tua buona volontà, chiunque tu sia, se volessi ricordarti che tutti dobbiamo morire? Ricordo il giorno in cui è arrivato nella città che nelle sue lettere definiva morta, nel marzo del 1939, diffidente come te adesso, la prima volta che lo vidi. Tutti riconoscevamo il rombo dell’idrovolante della Condor che annunciava il proprio arrivo avvicinandosi alla città. Nessun altro veniva a trovarci. Molti correvano al fiume. Io stavo lavorando, ma sono comunque riuscito a intravedere, sul pavimento della casa senza tetto, l’ombra dell’aereo che sorvolava gli alberi di mango dirigendosi verso il fiume. Una volta terminato il lavoro sono sceso al porto. Lui stava posando per il fotografo che il rappresentante dell’agenzia Condor aveva incaricato di immortalare l’evento e che, con la macchina fotografica su un treppiede, stava fissando per sempre sulle sue lastre l’arrivo dell’illustre etnologo, accanto agli indios e al pilota, tutti in piedi sull’ala dell’aereo. A dirla tutta, la sua venuta aveva provocato un clamore che cinque mesi dopo già tutti avevano dimenticato. Ci si abitua molto in fretta allo straordinario. Solo io ne preservo la memoria. Ma quel giorno, nessuno di noi poteva immaginare ciò che avremmo ricevuto. Si è presentato con un cappello bianco, come se fosse stato il comandante di una nave, camicia bianca, brache da marinaio e stivali. Né io né gli altri siamo riusciti a vedere oltre quell’eleganza, così altezzosa e inappropriata al luogo e all’occasione, e anche peggio a ripensarci ora, con il senno del poi. Nessuno poteva prevedere la sventura che in meno di cinque mesi lo avrebbe strappato alla vita. Mi sono avvicinato alla scena cui la città stava assistendo muta, senza capire la missione che stava per esserle assegnata e che nessuna anima umana avrebbe potuto rifiutare. Io ero quell’anima. Il rappresentante della Condor ci ha presentati, ma l’etnologo non mi ha visto. Mi ha stretto la mano come a chiunque altro e ha sorriso, sorrideva a tutti, ma non ha notato la mia presenza. Il mio nome l’ha udito a malapena. Se l’avesse sentito, mi avrebbe senz’altro preso in giro perché, nonostante tutto, l’umorismo non gli mancava. Il mio nome è motivo di scherno fuori di qui. E lui era appena arrivato. Solo in seguito avrebbe compreso le circostanze e i vantaggi di avermi come alleato. E solo allora avrebbe accettato la mia amicizia, in mancanza di meglio. È vero che sono umile, che vengo dal Sertão e sono amico degli indios, ma sono istruito e non sono uno stupido. Non serbo rancore per nessuno, tanto meno per il mio amico, il dottor Buell, nonostante tutto ciò che possa avere pensato o scritto e a cui ho potuto accedere solo tramite le dubbie traduzioni del professor Pessoa, mentre cercavo tra le carte del morto una spiegazione che io stesso facevo il possibile per nascondere. Era necessario che nessuno vi trovasse un senso. Non bisogna lasciare che siano i morti a prendersi cura di chi rimane. Fin dal principio, sebbene non potessi immaginare la tragedia, sono stato l’unico a vedere nei suoi occhi la disperazione che provava ma che non sempre riusciva a dissimulare, la cui causa, che avevo intuito ancor prima che mi fosse rivelata, ho preferito o perlomeno ho finto di ignorare, non fosse altro che per alleviarla. In questo modo credo di avere fatto il possibile per aiutarlo. Poiché ero presente nei rari momenti in cui non riusciva a trattenersi, io sapevo, e il mio silenzio era per lui la prova della mia amicizia. Gli uomini sono fatti così. O forse credi che, guardandoci negli occhi, non riusciamo a riconoscere nel nostro prossimo quello che in noi stessi tentiamo di nascondere? Non c’è nulla di più prezioso della fiducia di un amico. Per questo apprezzo gli indios, coi quali convivo fin da bambino, dai tempi in cui mio nonno li domava. Li ho sempre accolti in casa. Ho sempre saputo cosa dicevano di me alle mie spalle, che mi consideravano un po’ matto, come tutti i bianchi del resto. Ma a me importava solo che contassero su di me. E che sapessero che non mi aspettavo nulla in cambio. Da me ottenevano tutto quello che chiedevano, e Dio solo sa quante cose chiedono. Per loro ho fatto tutto quello che potevo. E anche per il dottor Buell. Gli ho dato le stesse cose che davo agli indios. La stessa amicizia. Perché, come gli indios, era solo e indifeso. E a dispetto di quello che scriveva o pensava, era soltanto un ragazzino. Poteva essere mio figlio. Niente e nessuno mi ha mai più turbato tanto. Né il signor Cildo Meireles, l’ispettore del Servizio di Protezione degli Indios, quando, tre anni dopo la tragedia, mi ha licenziato dalle funzioni di capo dell’avamposto indigeno Manoel da Nóbrega e si è raccomandato che da lì in poi tenessi il mio cuore a cinque leghe di distanza dall’avamposto e alla larga dagli indios per sempre, che non voleva più vedere la mia faccia. Né l’umiliazione subita quando mi hanno tolto l’incarico che ho occupato per poco più di un anno e che lo stesso dottor Buell mi aveva aiutato a conquistare, in difesa degli indios, grazie alle lettere di raccomandazione che aveva inviato a Rio de Janeiro. E nemmeno il massacro del villaggio di Cabeceira Grossa, che forse il dottor Buell avrebbe potuto impedire se fosse stato ancora vivo e tra loro quando i latifondisti hanno preparato l’imboscata, un anno dopo il suo suicidio. Niente mi ha mai più rattristato tanto quanto la fine del mio amico, la cui memoria ho deciso di onorare. L’ho accolto quando è arrivato. Nulla di ciò che può avere pensato o scritto potrà mai causarmi rancore, non mi sono mai aspettato niente in cambio, perché so che in fondo sono stato l’ultima persona su cui ha potuto contare.

Avevo lasciato la casa senza tetto al calar della sera, proprio quando una nuvola di pipistrelli appena usciti dal tronco vuoto di un albero di mango si era incanalata per le strade e le aveva inondate, in un volo a filo e cieco, noncurante di biciclette e pedoni, e a sua volta ignorata in quella città morta, come lui la definiva, se vogliamo fidarci delle traduzioni del professor Pessoa. Sarò pure ignorante, ma non sono mai stato superstizioso. Avrei dovuto scorgere un segno di malaugurio nella nuvola di piccoli vampiri che lo ha accolto. Invece l’unica cosa che ho visto quando sono arrivato al fiume erano i suoi occhi e l’espressione che assumevano, distratta e stanca, tra una foto e l’altra, quando dimenticava di essere osservato. Voleva andare al villaggio. Era esausto. Voleva starsene lontano dagli sguardi altrui. Solo tu avresti potuto dirmi cosa era venuto a fare qui, se davvero era venuto per morire, come ho finito per sospettare quando ho ricevuto la notizia del suicidio. Sono anni che ti aspetto, invano.

Il 9 agosto di quell’anno, cinque mesi dopo il suo arrivo a Carolina, un gruppo di venti indios è arrivato in città nel tardo pomeriggio. Portavano la triste notizia e, in una valigia, gli oggetti personali del dottor Buell che io stesso ho ricevuto e contato, con le lacrime agli occhi: due libri di musica, una Bibbia, un paio di scarpe, un paio di pantofole, tre pigiami, sei camicie, due cravatte, un mantello nero, un asciugamano, quattro fazzoletti, due paia di calzini, un paio di bretelle, due completi di lino, due completi di cachemire, due paia di mutande e una busta con delle fotografie. Tra queste mancava il suo ritratto. C’era la foto di una casa di legno sulla spiaggia, c’erano i ritratti dei neri del Sud Pacifico che gli avevano raccontato leggende e canzoni, e i ritratti dei Trumai dell’alto Xingu, ma mancavano le foto di famiglia, nessun ritratto del padre, della madre, della sorella o di altre donne. Forse le aveva bruciate insieme alle altre lettere che aveva ricevuto prima di uccidersi. Gli indios non avevano toccato nulla. Erano venuti a casa mia senza fermarsi mai e durante il tragitto non avevano parlato con nessuno. Avevano paura, pensavano che qualcuno li potesse accusare, ma la cosa non aveva impedito che la notizia si diffondesse in fretta e di lì a breve una piccola folla di curiosi ha circondato la mia modesta abitazione. Ho mandato a chiamare di corsa il professor Pessoa che, dopo avere letto una delle lettere lasciate dall’infelice, in inglese, è riuscito a calmare gli indios, assicurando a tutti che non erano in alcun modo responsabili del tragico evento. Il dottor Buell aveva lasciato lettere da inviare negli Stati Uniti, a Rio de Janeiro, a Mato Grosso, e due a Carolina, una per il capitano Ângelo Sampaio, il capo della polizia, e l’altra per me.

È da allora che ti aspetto, chiunque tu sia. Sapevo che saresti venuto in cerca di ciò che era tuo, la lettera che ti ha scritto prima di uccidersi e che, perdonami, ma ho conservato io, per sicurezza e per prudenza, giacché non potevo capirne il contenuto – pur sospettandolo – e non potevo nemmeno correre il rischio di chiedere al professor Pessoa di tradurmi quelle righe. È l’unica lettera che non ho mandato a Rio de Janeiro. Oggi, a neppure sei anni dalla morte del dottor Buell, il professore si dichiara già un etnologo e si autoproclama esperto dei Krahô. Come se nessun altro etnologo avesse mai messo piede a Carolina, come se la sua autodeterminazione bastasse a uguagliare l’uomo che lo ignorava e che lui stesso sostiene di non ricordare più perché il solo ricordo lo relegherebbe nell’ombra, fornendogli i parametri che gli mancano per riconoscere la propria mediocrità e la propria ignoranza. È vero che sono semplice e che vengo dal Sertão, ma non sono uno stupido. Delle buste chiuse, quella era l’unica il cui destinatario, per quanto ne sapessi, non era un membro della famiglia del dottor Buell né tantomeno un altro antropologo o un missionario. Spero tu mi capisca. Erano tempi difficili. Tutto quello che ho fatto è stato per amicizia, per proteggerlo. Non puoi neanche immaginare, chiunque tu sia. Le lettere andavano a Rio de Janeiro prima di proseguire per gli Stati Uniti. Nessuno poteva garantirmi che non sarebbero state aperte e lette, come avevano fatto le autorità del Maranhão quando le avevano sottoposte al professor Pessoa in cerca di una spiegazione, né che non sarebbero andate perdute. Tanto più se fosse stata aperta un’indagine. Ho conservato questa unica lettera per proteggere lui, e gli indios. Mi sono ripromesso che nessun altro a parte te ci avrebbe messo gli occhi sopra. Sì, è vero, ti ho inviato un biglietto al posto della lettera, un biglietto in codice che il professor Pessoa mi ha aiutato a redigere in inglese, senza sapere a chi fosse indirizzato e a quale scopo, credendo si trattasse di un parente del morto, dato che qualche tempo prima, gli avevo già chiesto aiuto per scrivere una lettera di condoglianze che avevo deciso di inviare alla madre. Non ho mai potuto assicurarmi che tu avessi ricevuto quel biglietto, o che lo avessi capito, visto che non sei venuto a reclamare ciò che ti apparteneva. Sono anni che aspetto, ma non posso più rischiare né sfidare la morte. Questo mese iniziano le piogge. Domani prenderò il traghetto per tornare a Carolina, ma prima lascio questo testamento per quando verrai.

Published September 3, 2018
© 2002 Bernardo Carvalho
© 2002 Companhia das Letras
© 2018 Specimen


Other
Languages
Portuguese
Italian

Your
Tools
Close Language
Close Language
Add Bookmark